Estrutura de 10 mil quilômetros pode ser a maior onda de gravidade já detectada no Sistema Solar
Os astrônomos encaram Vênus sob uma perspectiva bem interessante: eles costumam chamá-lo de “gêmeo malvado” da Terra. E a definição faz total sentido, já que ambos os planetas são rochosos e têm praticamente o mesmo diâmetro, mas as semelhanças param por aí. Mais próximo do Sol, as temperaturas na superfície venusiana superam os 400 graus Celsius e a pressão atmosférica de lá é 90 vezes maior que a daqui.
Ventos de ácido sulfúrico sopram a assustadores 350 quilômetros por hora — mais velozes que a própria rotação do planeta. Como prova de que coisas estranhas sempre podem ficar mais estranhas ainda, astrônomos japoneses publicaram essa semana um artigo no jornal Nature Geoscience em que descrevem uma gigante estrutura em forma de onda que brotou naquela caótica atmosfera.
Com tamanho estimado em 10 mil quilômetros, a estranha formação detectada em dezembro pela sonda japonesa Akatsuki se estende do polo norte ao polo sul de Vênus e se formou na atmosfera superior, a 65 quilômetros da superfície. Durante quatro dias seguidos, ela permaneceu implacavelmente imóvel, mesmo em meio aos violentos ventos sulfúricos. Depois se desmanchou.
Os astrônomos só conseguem pensar em um único fenômeno com essas características. “O presente estudo fornece evidência direta da existência de ondas de gravidade estacionárias e mostra mais a fundo que elas podem atingir uma escala muito grande — talvez a maior já observada no Sistema Solar”, reportam os pesquisadores no artigo.
Morro dos ventos uivantes
Antes de mais nada, que fique bem claro que as ondas de gravidade nada têm a ver com as ondas gravitacionais: aquelas efêmeras distorções no tecido do espaço-tempo previstas por Einstein há um século e detectadas pela primeira vez em 2015. Esse outro tipo de onda é algo um tanto mais corriqueiro, um fenômeno atmosférico também criado aqui mesmo, na Terra.
Ocorre quando ventos são lançados para o alto ao atingirem regiões irregulares da superfície. Grandes cordilheiras de montanhas, como os Andes ou mesmo o oceano produzem ondas de gravidade por aqui. E os pesquisadores embasam suas conclusões justamente no fato de a estrutura gigante em forma de arco ter surgido na atmosfera venusiana bem acima de uma grande cadeia de montanhas na altura do equador do planeta vizinho.
Chamada de Aphrodite Terra, alcança até 4,5 quilômetros de altura, quase a metade do tamanho do Monte Everest. Conforme as partículas atmosféricas são lançadas para cima, a gravidade não desiste de puxá-las de volta para baixo, e o embate resulta em perturbações na densidade do ar que criam as chamadas ondas de gravidade. A associação é segura: das 15 ondas observadas até agora em Vênus, todas elas se formaram sobre terras altas.
Mas ainda há mais perguntas do que respostas. Os pesquisadores sequer suspeitavam que esses fenômenos podem surgir em regiões de tamanha altitude na atmosfera, muito menos que eram capazes de atingir dimensões tão gigantescas. Mais estudos sobre as ondas de gravidade de Vênus podem ainda lançar luz sobre o mistério da chamada super-rotação: elas podem ter alguma relação com o fato de as nuvens venusianas girarem mais rápido que o próprio planeta.
Revista Galileu.
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