Capítulo 03 C- NO RASTRO DE MARIA MADALENA
Maria Madalena era, claramente de grande e permanente importância para a família D’ Anjou: mas há um mistério oculto neste fervor por ela.
O fato de Réne d’Anjou ter feito escavações em Saint-Maries-de-la-Mer – aparentemente, em busca dos restos mortais de Maria Madalena – foi particularmente estranho porque, duzentos anos antes, Carlos d’Anjou alegou tê-los encontrado.
Parece que, apesar das declarações antagônicas sobre quem detinha os seus restos mortais, ninguém, de fato, parece te-los encontrado…
Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com
Capítulo 03 C – NO RASTRO DE MARIA MADALENA – Livro “The Templar Revelation – Secret Guardians of the True Identity of Christ” de Lynn Picknett e Clive Prince.
CAPÍTULO III C- NO RASTRO DE MARIA MADALENA
… Em Marselha, tínhamos descoberto uma das estranhas «Madonas Negras», que sabíamos estarem intimamente ligadas à tradição de Madalena, embora não soubéssemos bem como e o por quê.
Estas imagens religiosas são exatamente iguais à habitual representação da Madona e o seu filho, mas, por alguma razão, a Madona é representada como sendo de NEGRA (n.t. lembram do sol negro pintado por Cocteau na igreja em Londres?). Elas não são, deve se dizer, muito apreciadas pela Igreja romana, que as considera, no mínimo, com suspeita e há muitas teorias para explicar a sua cor negra. Que possível ligação podiam elas ter com Madalena, uma mulher que se presume ter sido da raça semita do Oriente Médio – e, tradicionalmente, considerada sem filhos’? Continuamos a investigar o culto da Madona Negra, na esperança de encontrar algumas pistas.
Conhecidas também como Virgens Negras, cada uma destas estátuas tomou-se o centro de um culto, onde quer que estivesse localizada. Embora as Madonas Negras se encontrem numa vasta área da Europa, incluindo locais da Polônia e do Reino Unido, a maior proporção delas – cerca de 65%, segundo o estudo de Ean Begg, de 1985 – encontra-se na França, e a maioria delas está localizada no sul do país, por onde teria andado Madalena (n.t. e onde mais tarde surgiu o movimento gnóstico conhecido como os Cátaros que foi severamente combatido e perseguido pela igreja de Roma no que ficou conhecido como a Cruzada Albigense).
Embora estas estátuas de Madonas Negras ainda suscitem uma enorme e apaixonada devoção, esta é existente à nível local e nunca é oficialmente reconhecida e apoiada pela Igreja Católica. Como podemos confirmar por experiência própria, há alguma coisa considerada «não muito agradável» nas Madonas Negras. Ean Begg, no seu livro The Cult of the Black Virgin (1985), escreve:
[…] não havia qualquer engano quanto à hostilidade. quando, a 28 de Dezembro de 1952, [ao serem apresentadas comunicações) sobre as Virgens Negras à American Association for the Advancement of Science, todos os sacerdotes e freiras, que faziam parte da audiência, saíram da sala.
Falta mencionar que, à parte a hostilidade ativa da igreja de Roma, a maioria dos sacerdotes modernos confessa falta de interesse ou (n.t. completa) ignorância do assunto e não deseja investigá-lo (n.t. caso contrário, se descobrissem a verdade por trás do mito, abandonariam a espúria igreja romana).
Durante as pesquisas para o seu livro, Begg fez frequentes visitas a conhecidos locais onde existiam as Madonas Negras e descobriu que os sacerdotes locais declaravam que não tinham conhecimento de semelhante estátua ou alegavam que ela, de qualquer maneira, desaparecera. Contudo, em toda a parte em que as Madonas Negras existiram, ou continuam a existir, elas são alvo de enorme amor e devoção locais. Assim, o que há nestes cultos que é tão desagradável para o catolicismo oficial de Roma? (n.t. Uma verdade que a igreja de Roma oculta desde que foi criada e que se vier à tona ela deixa de existir)
Têm sido apresentadas muitas teorias para explicar a sua cor negra, que vão do ridículo ao sublime, embora com maior peso para o primeiro. Ean Begg cita o exemplo de uma típica troca de palavras entre um colega e um sacerdote sobre este assunto: à pergunta «Padre, por que é negra a Madona?» , o sacerdote respondeu: «Meu filho, ela é negra porque é negra». Outras explicações incluem a condescendente sugestão de que as estátuas enegreceram, ao longo dos séculos, por terem estado sujeitas a ambientes carregados de fumaça das velas.
E evidente que o fato de todas as outras estátuas da mesma época e do mesmo lugar se terem conservado, no mínimo, laváveis levanta perguntas bastante óbvias. As pessoas não são tão ingênuas que, por engano, tivessem venerado, ao longos dos séculos, Madonas com o rosto sujo, com tão rara e especial paixão. Além disso, a maioria destas estátuas foi, de fato, deliberadamente pintada de negro ou feita de material negro como o ébano; portanto, é lógico supor que elas se destinavam a ser negras naturalmente.
Talvez mais plausível seja a ideia de que estas estátuas são escuras porque foram trazidas pelos Templários de lugares onde as pessoas têm a pele negra. O fato, contudo, é que a maioria das Virgens Negras foram feitas nos lugares onde se destinavam a ser veneradas e não são copiadas de um desenho trazido de exóticos países estrangeiros pelos cruzados.
Existe também outra teoria, consideravelmente mais convincente. As Madonas Negras estão quase sempre associadas a lugares pagãos (n.t. e de culto ao lado feminino da divindade), muito mais antigos.
Apesar de a catolização destes lugares pagãos ter sido um fenômeno europeu muito comum, a própria cor negra destas imagens sugere que elas representam a continuação do culto da deusa pagã sob o disfarce de catolicismo romano. É este, presumivelmente, o motivo por que a Igreja as trata com desdém, embora a devoção que lhes é prestada torne quase impossível proibir este culto. Além disso, para que uma proibição entre em vigor – sem dúvida, atualmente – teriam de ser apresentadas razões, as quais apenas chamariam a atenção para o que vem acontecendo há quase dois mil anos (e nos dias atuais a “santa” igreja romana não tem mais como impor a sua vontade à ninguém mais).
Apenas as ligações pagãs, por si só, não explicam o motivo por que as Madonas são negras – apesar de os apologistas católicos alegarem que estes elos de ligação têm, pelo menos simbolicamente, de ser «escuros». Mas muitos destes lugares estiveram associados a deusas pagãs pré-catolicismo romano, como as veneradas Diana e Cibele, que foram representadas como sendo negras durante o longo período em que foram veneradas.
Outra deusa que era representada, por vezes, como sendo negra era ÍSIS, cujo culto se manteve por um período considerável da era cristã na bacia do Mediterrâneo. Irmã de Néftis, era uma divindade multifacetada, cujos dons pessoais incluíam a magia e a cura, e intimamente associada ao mar e à Lua. O seu consorte, Osíris, que, como deus do mundo dos mortos e da morte, também era representado como sendo negro, foi atraiçoado e morto por Seth, o deus mau, mas foi magicamente ressuscitado por ÍSIS, para conceber o seu filho, Hórus.
É reconhecido que os cristãos primitivos se apropriaram de muito da iconografia de ÍSIS para a Virgem Maria. Por exemplo, foram-lhe atribuídos vários títulos de ÍSIS – como «Estrela do Mar» (Stella Maris) e «Rainha do Céu». Tradicionalmente, Ísis era representada de pé sobre a Lua em quarto-crescente ou com estrelas nos cabelos ou em volta da cabeça; a Virgem Maria também é assim representada. Mas a imagem mais notavelmente semelhante é a da mãe e o filho. Os cristãos podem pensar que as estátuas de Maria e o menino Jesus representam iconografia exclusivamente cristã, mas, de fato, todo o conceito da Madona e o menino já estava firmemente presente desde o culto de ÍSIS espalhado pelo mundo do Mediterrâneo.
Também ÍSIS era venerada como uma virgem sagrada. Mas, apesar de também ser a mãe de Hórus, isso não constituía problema para as mentes dos seus milhões de adeptos. Enquanto se espera que os cristãos modernos aceitem o nascimento virginal como artigo de fé e como verdadeiro acontecimento histórico, os adoradores de ÍSIS e outros pagãos não enfrentavam este dilema intelectual. Para eles, Zeus, Vênus ou Maat podiam, ou não, ter descido à Terra; o importante era o que eles personificavam. Cada um dos deuses do panteão reinava sobre a sua área própria da vida humana; por exemplo, a deusa egípcia Maat estava relacionada com o conceito de justiça no mundo material e quando as almas dos mortos eram pesadas na balança.
Os deuses eram interpretados como arquétipos vivos, não como figuras históricas. Os adoradores de ÍSIS não perdiam tempo a procurar roupas que podiam ter envolvido o corpo de Osíris nem consideravam importante encontrar uma lasca do caixão em que ele esteve confinado conforme conta a sua história. Longe de ser uma religião simples e ignorante, a religião dos DEVOTOS de ÍSIS parece ter tido uma profunda compreensão da psique humana (e estava muito mais próxima da verdade…).
ÍSIS era venerada como Virgem e como Mãe – mas não como uma Mãe Virgem. Os adoradores de ÍSIS teriam considerado o conceito de nascimento virginal francamente ridículo: os deuses podem fazer maravilhas, mas não exigem que os seus fiéis suspendam tanto assim a sua descrença. O culto das deusas mais importantes acentuava a sua feminilidade essencial, ao dividi-la em três aspectos principais, cada um deles representando o ciclo de vida das verdadeiras mulheres.
Primeiro a Virgem, depois a Mãe, em seguida a Velha, todas três ligadas à Lua nova, à Lua cheia e ao obscurecimento da Lua. Cada deusa, incluindo ÍSIS, era interpretada como representação de toda a experiência feminina, incluindo o amor sexual – e, portanto, podia ser invocada para ajudar uma mulher com qualquer tipo de problema -, ao contrário da Virgem Maria, cuja suposta “pureza SEXUAL” é uma barreira impenetrável para os que gostariam de compartilhar com ela os seus problemas sexuais.
ÍSIS, uma verdadeira mulher que representa um ciclo de vida feminino completo, era por vezes representada como sendo negra. E o seu culto estava bastante mais divulgado do que se podia supor. Por exemplo, um templo que lhe era dedicado foi descoberto tão a norte da França quanto Paris e há razões para supor que este não era um templo isolado. ÍSIS, a bela jovem-deusa, a quem as mulheres podiam invocar – com a consciência tranquila – absolutamente para tudo relativo ao mundo feminino, apelava às mulheres de todas as culturas. Quando surgiu a Igreja patriarcal romana, o seu primeiro instinto foi erradicar o culto das deusas pagãs.
Mas o anseio por uma deusa (a parte feminina de Deus) permanecia firme e constituía uma ameaça para os padres da Igreja. Assim, permitiu-se que a Virgem Maria existisse como uma versão expurgada de ÍSIS, decididamente ignorante dos imperativos biológicos criativos da vida, emocionais e espirituais das verdadeiras mulheres, uma deusa de emergência, criada por misóginos para misóginos. Mas era improvável que a assexuada Virgem Maria tivesse vencido ÍSIS sem algum tipo de represália dos seus adeptos.
Como podia a boa, mas essencialmente descolorida, mãe de Jesus preencher o lugar da bem-torneada Ísis – não apenas Virgem, Mãe e Velha, mas também iniciadora sexual e determinadora dos destinos dos homens e mulheres? Podia acontecer que o culto de Maria Madalena, como o da Madona Negra, que é tão desprezado pela Igreja, escondesse realmente uma idéia das mulheres (do feminino sagrado) muito mais antiga e mais completa?
Ficou bem provado que os locais da Madona Negra estão associados a antigas localizações de divindades pagãs – mas há uma outra ligação que não é tão amplamente reconhecida. Continuamente, estas estátuas enigmáticas e os seus antigos cultos parecem florescer paralelamente ao de Maria Madalena. Por exemplo, a famosa estátua negra de Santa Sara, a egípcia, encontra-se em Saintes-Maries-de-la-Mer – o mesmo lugar em que se diz que Madalena desembarcou, vinda da Palestina. Em Marselha, há nada menos do que três Madonas Negras; uma na cripta da basílica de S. Victor, imediatamente à saída da capela subterrânea que é dedicada a Maria Madalena. Há outra na «sua» igreja de Aix-en-Provence (próximo do lugar onde se julga que ela foi enterrada) e ainda uma outra na principal igreja daquela cidade, St Saveur.
A ligação entre o culto de Maria Madalena e o da Madona Negra é inegável. Ean Begg observa que nada menos de cinquenta centros do culto a Madalena também contêm santuários da Virgem Negra. Um estudo do mapa dos locais das Madonas Negras mostra que a maior concentração, em França, se encontra na área Lyons/Vichy/Clermont-Ferrand, centrada na cadeia de montanhas denominada montes de Madalena. Uma grande concentração de locais da Madona Negra também se encontra na Provença e nos Pireneus orientais, duas áreas intimamente ligadas à lenda de Madalena – assim, é clara a associação entre os dois cultos, embora o seu motivo não o seja tanto.
Aqui voltamos a nos deparar com o Priorado de Sião porque – embora isso não seja muito conhecido – ele está particularmente interessado no culto da Madona Negra. (É curioso que isso não seja mencionado em The Holy Blood and The Holy Grail, porque dois dos seus autores, Michael Baigent e Richard Leigh, escreveram artigos sobre o assunto para a publicação semanal The Unexplained, quando o seu livro foi publicado.) Vários lugares associados ao Priorado têm as suas próprias Madonas Negras, como Sion-Vaudémont e o lugar onde os seus membros, tradicionalmente, se reúnem para eleger os grão-mestres, Bolos, no vale do Loire.
O culto da Madona Negra é central para o Priorado. Os seus membros escolheram uma em Goult, próximo de Avignon, para especial veneração, que é conhecida como «Notre-Dame de Lumiéres» (Nossa Senhora das Luzes). Para eles, pelo menos, não há dúvidas quanto ao verdadeiro significado da Madona Negra. Pierre Plantard de Saint-Clair escreve, explicitamente, «a Virgem Negra é ÍSIS e o seu nome é Notre-Dame de Lumières».
Parece haver aqui uma discrepância: que possível ligação poderia haver entre ÍSIS/Madonas Negras e a obsessão do Priorado com a descendência merovíngia? Plantard de Saint-Clair explica a ligação entre o Priorado e as Madonas Negras alegando que o seu culto foi promovido pelos merovíngios. Mesmo excluindo a descrença na realidade desta descendência, esta explicação não se coaduna inteiramente com a pretensão de que os merovíngios descendiam de judeus da estirpe de David.
Begg nota outra discrepância: embora a veneração de ÍSIS, por parte do moderno Priorado, lhes proporcione uma árvore genealógica que remonta aos tempos pré-romanos, as divindades femininas mais veneradas na Gália eram Diana e Cibele, não ÍSIS. Plantard de Saint-Clair insiste em que o envolvimento do Priorado é especificamente com ÍSIS – mas por quê? Begg sugere que esta razão pode ser um meio de insinuar uma antiga e importante ligação egípcia.
Se há uma figura lendária que possa proporcionar uma resposta a este enigma ou que represente a ponte entre as tradições pagãs e cristãs que se fundiram no culto da Madona Negra, é certamente Maria Madalena. Vimos como ela é importante para o Priorado, que vê ÍSIS nas Madonas Negras. Mas por que acabaria esta famosa penitente cristã por ser associada aos antigos lugares onde se reverenciava divindades femininas pelos pagãos?
Uma pista pode encontrar-se no livro da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, a compilação de poesia erótica que, bizarramente, está incluída no Novo Testamento e que, tradicionalmente, é atribuída ao rei Salomão, que a teria escrevido para celebrar os generosos encantos da rainha de Sabá.
Curiosamente, uma dessas passagens é lida em voz alta no dia da festa de Madalena, na Igreja Católica. Essa passagem (Cântico dos Cânticos 3:1-4) diz o seguinte:
- De noite, na minha cama, procurei aquele que a minha alma ama, e não o encontrei.
- Levantar-me-ei e percorrerei toda a cidade e pelas ruas e praças procurarei aquele que a minha alma ama; procurei-o mas não o encontrei. As sentinelas que vigiam a cidade encontraram-me. Então perguntei-lhes: Viram aquele que a minha alma ama?
- E, pouco depois de já ter passado por elas, encontrei aquele que a minha alma ama.
- Detive-o e não o deixarei mais até o trazer para casa da minha mãe e para o quarto daquela que me gerou.
O Cântico dos Cânticos tem sido associado, desde os primeiros anos da era cristã, a Madalena. Nesse caso, talvez exista uma outra ligação (n.t. significado) ocultanos versos, porque neles a mulher apaixonada também diz «sou negra, mas graciosa», o que é outro elo de ligação com o culto da Madona Negra, e, se sob este aspecto o Priorado for credível, com a deusa egípcia ÍSIS. Isso era desconcertante porque, se parece haver poucas ligações óbvias entre Madalena e a Madona Negra, também há poucas entre a santa e o Cântico dos Cânticos.
Embora, tal como a mulher (ALMA) apaixonada que se lamenta nestes versos, ÍSIS também andasse em busca do corpo do seu marido Osíris assassinado por Seth, que possível paralelo existe na história de Maria Madalena? A princípio, parece não haver respostas diretas. É como se nenhum conjunto de permutas corresponda aos fatos conhecidos.
Há um outro elemento, ainda mais confuso, a se ter em conta. A Provença, pátria do madalenismo e de várias Madonas Negras, também está impregnada de um forte sentido de outra importante figura do Novo Testamento – João Batista. Ficamos surpreendidos com o número de igrejas que lhe são dedicadas e de lugares que têm o seu nome naquela região. Em Marselha, além da igreja dedicada a Batista, existe o velho forte de S. João dos Cavaleiros Hospitalários, o qual ainda guarda a entrada do porto.
Em Aix-en-Provence encontramos a grande igreja de S. João de Malta; há um baixo-relevo da decapitação de S. João na parede de uma casa situada na rua que conduz à igreja. Por toda a parte, nas nossas viagens, iríamos encontrar um fenômeno inexplicável: a maior concentração de lugares de Madalena também continha um número invulgar de igrejas dedicadas a João Baptista. Talvez tivesse sido esta ligação, aparentemente estranha, que levou Ean Begg a refletir:
[…] a história da Virgem Negra também pode incluir um segredo herético com o poder de chocar e surpreender até as atuais atitudes pós-cristãs, um segredo que, além do mais, envolve forças políticas ainda influentes na Europa moderna.
A predominância de edifícios dedicados a João Baptista pode explicar-se facilmente pelo fato de os Cavaleiros Hospitalários (mais tarde conhecidos por Cavaleiros de Malta) sempre lhe terem dedicado uma veneração particular e de terem tido uma presença forte na região. Mas outra ordem de cavalaria importante, que era uma força a ter em conta, no Sul de França, eram os mais famosos, mais organizados e mais importantes para a história humana, a Ordem dos Cavaleiros Templários – e eles também prestavam uma homenagem especial a Batista.
Enquanto estivemos na Provença, não pudemos perder a oportunidade de visitar a zona de St Jean-Cap-Ferrat, que Jean Cocteau escolheu para seu refúgio. A viagem de Marselha para Nice pareceu interminável, embora esta cidade se situe um pouco mais a norte do litoral, em direção à mais elegante cidade-estado o principado de Mônaco. St Jean-Cap-Ferrat situa-se na extremidade de uma península e a sua história de constituir refúgio para estrelas de cinema, como David Niven, evoca inevitavelmente imagens cinematográficas.
Ela orgulha-se das mais suntuosas residências que se possa imaginar fora de um filme de James Bond – e um certo Château de Jean, de aspecto quase ameaçador, atrás das suas sinistras sombras, parece saído de um filme de Hitchcok. Contudo, mesmo neste lugar de recreio dos ricos e famosos, nem tudo é tão materialista como parece: e a ênfase local em «St Jean-SÃO JOÃO» não é acidental.
A própria aldeia tem uma igreja dedicada a João Baptista, o santo que deu o nome a esta área. Mais uma vez isso é devido à presença dos Cavaleiros de Malta, cuja capela de St Hospice ainda se ergue no local do forte original da ordem, na ponta extrema da península – o cabo de S. João -, claramente um excelente lugar para estar de atalaia. As paredes da capela estão decoradas com várias placas comemorativas das visitas de vários grão-mestres da ordem ao longo dos anos, e a área exterior ostenta o nome «Place des Chevaliers de Malte» (Praça dos Cavaleiros de Malta).
Esta praça é dominada por uma enorme estátua em bronze da Madona e o menino, a qual, embora tenha adquirido uma nítida pátina verde-escura, é conhecida localmente por La Vierge Noire – a Virgem Negra. Com mais de cinco metros de altura, ela vigia o mar há quase um século. Este é o estranho fenômeno da relação, aparentemente simbiótica, entre os lugares da Madona Negra e os dedicados a S. João.
E na terra firme imediata, no entanto, que encontramos uma ligação inesperada com o Priorado de Sião. Na pequena cidade de Ville-franche-sur-Mer há uma pequena capela, junto ao porto, frequentada pela comunidade de pescadores. Por essa associação, ela é dedicada a S. Pedro (o «Grande Pescador»), mas, para nós, o seu interesse reside na identidade do criador da sua notável decoração – foi desenhada e executada por Jean Cocteau, que a completou em 1958, embora ela fosse o seu sonho durante muitos anos. Por fim, ele foi pessoalmente responsável por todos os aspectos da decoração da capela, até ao reboco das paredes e ao desenho dos candelabros.
E o resultado final é, para falar francamente, muito misterioso. Há uma vaga semelhança com a decoração de um templo maçônico, embora as imagens sejam bastante mais surrealistas. Olhos espantados estão pintados por toda a parte: há olhos enormes, de cada lado do altar, mas uma porção de olhos pequenos está espalhada por toda a capela e figuras peculiares – como uma mulher que, deliberadamente, aponta três dedos ao observador – decoram as paredes.
De todos os grupos bizarros de figuras e de símbolos da capela, um, em particular, chamou-nos a atenção: representa figuras de ciganos que dançam, acompanhados de uma rapariga semelhante a uma deusa – uma clara alusão à cerimônia anual em Saintes-Maries-de-la-Mer. É estranho encontrar esta referência no lado oposto da Provença e numa capela dedicada a S. Pedro – que, segundo os Evangelhos gnósticos, era o inimigo da amada Maria Madalena do Priorado.
Cocteau decorou esta capela imediatamente antes de trabalhar no mural de Londres, e em ambos os casos o visitante sai com um sentimento de inquietação, como se asmensagens subliminares estivessem a comunicar, a nível inconsciente, alguma coisa muito diferente da mensagem supostamente contida no interior dos edifícios católicos da igreja romana.
A cerca de trinta e cinco quilômetros a norte da ostentação de Nice, encontra-se um grupo de aldeias que fazem parte do padrão emergente dos lugares em que coexistem Madalena e João Batista. Ao longo do vale do rio Vésubie, estende-se o outrora famoso caminho dos Alpes para o litoral, e é próximo desta área que encontramos topônimos evocativos, com as mesmas associações que encontramos próximo de St Jean-Cap-Ferrat. Por exemplo, a aldeia de Saint-Madaleine (sic) situa-se próximo dos lugares de Marie e de St Jean.
Isto não é tudo. Na mesma área, encontra-se Utelle, a velha cidade dos Cavaleiros Templários, cujas casas medievais ainda ostentam as velhas chancelas esotéricas dos alquimistas, e, mais adiante, junto do vale, fica Roquebillière, outro domicílio da irmandade cavaleiresca dos Templários. A maior cidade é St Martin-de-Vésubie, o lugar de um lendário massacre dos Templários em 1308.
Esta é a pátria de uma famosa Madona Negra: La Madone des Fenestres (a Madona das Janelas, embora a verdadeira derivação seja contestada), que foi trazida pelos Cavaleiros Templários para esta área. Mas a estátua, segundo a tradição local, foi trazida para França por Maria Madalena. E, embora as lendas não tenham necessariamente uma base de fato, é interessante que os habitantes locais achem natural fazer associações entre Madalena, o culto da Virgem Negra – e osTemplários.
No outro lado do vale, em frente de St Martin-de-Vésubie, fica a aldeia de Venanson, onde a capela de S. Sebastião se ergue sobre uma grande rocha sobranceira à única estrada. No seu interior, ela ostenta um quadro de St Grat, um antigo bispo local, segurando a cabeça de João Batista. Apenas a cinco quilômetros da capela, na aldeia de Saint-Dalmas, existe a igreja Templária de Saint-Croix, um dos mais antigos edifícios religiosos de França. As suas paredes apresentam quadros pintados que descrevem Salomé a apresentar a cabeça de João Batista a Herodíade, sua mãe, e a Herodes, seu padrasto.
Certamente que muitas igrejas, tanto católicas como protestantes, contêm algum tipo de representação do Batista, mas geralmente apresentam João a batizar Jesus. Muito poucas representam cenas da decapitação de João ou expõem a sua cabeça decapitada, porque é apenas nos lugares onde ele é particularmente venerado que estas imagens são consideradas apropriadas. Nesta área de França, no entanto, há inúmeras pinturas semelhantes – e não é, de modo algum, por acaso porque, como vimos, é uma região que conheceu outrora uma grande concentração de Cavaleiros Templários e ordens associadas. JOÃO Batista foi sempre conhecido como o santo patrono dos Templários e é, portanto, especialmente venerado por eles. Mas por que era JOÃO Batista tão importante para os Cavaleiros Templários e para os Cavaleiros de Malta? Esta era a pergunta que iria assumir a maior importância à medida que a nossa investigação prosseguia.
A nossa viagem à Provença revelara que havia alguma coisa substancial por detrás das lendas locais de Madalena mas também permitira intrigantes vislumbres de alguma coisa mais antiga, muito maior, mais organizada – talvez, mesmo mais misteriosa. À medida que seguíamos o rasto de Madalena, começamos a encontrar camada sobre camada de associações esotéricas que recuavam nos séculos. Onde se encontrava Madalena havia geralmente uma Madona Negra, e onde esse culto era praticado existira, outrora, um florescente santuário de uma deusa pagã. Os outros fios da teia ligavam este triunvirato feminino ao Priorado de Sião e – inexplicavelmente – à veneração de JOÃO Batista por parte dos Cavaleiros Templários.
Nas primeiras fases da nossa investigação, reconhecemos que essas ligações existiam mas não conseguíamos compreendê-las. Por vezes receamos, de fato, nunca conseguir compreender tudo. Mas, à medida que persistíamos na nossa investigação, fatos, lendas e personagens, aparentemente inconciliáveis, começaram a ajustar-se ao quadro global – um quadro de que o próprio Leonardo Da Vinci teria se orgulhado.
Sem fazer a menor ideia de como as nossas descobertas finais seriam perturbantes, abandonamos a Provença e mergulhamos mais profundamente na terra que é o coração da heresia européia (n.t. para a igreja de Roma). Final do capítulo 3.
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